“Não sei se escrevo crônicas, contos, poesias, piadas, verdades ou mentiras... Seja o que for, escreverei de forma breve como a vida....... Histórias breves de personagens breves que, em maior ou menor grau, são fragmentos do que sou e procuro eternizar.”

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Amor e Lembranças

Anjo-Mais-Velho  - OTM
Hoje uma senhora tentava abrir uma porta pesada que aqui tenho e fui ajuda-la; de óculos escuros, com um ar sisudo e meio desconfiado, entrou.
Trazia com ela um carrinho daqueles antigos de compras e quando estava a atendê-la começou a falar comigo.
Depois de algum tempo de conversa disse-me:
"sabe menina, eu tenho 71 anos e já passei por muito. Conheci o homem da minha vida quando tinha 19 anos. 
Naquela altura, estava com esse mesmo ar de apaixonada que a menina está, sabe?"  Me mantive calada.
Ela continuou. "Os pais dele não queriam que eu o namorasse, porque eu era de uma família pobre e eles tinham um negócio, uma mercearia.
Tinham dinheiro e achavam que eu não era o suficiente para o filho deles, mas ele gostava de mim e não queria saber.
Vinha buscar-me a casa, íamos passear e conversávamos muito…”. Neste instante a interrompi, perguntei se ele também era apaixonado por ela e com todos aqueles traços de vida que tinha marcados no rosto (a que habitualmente chamam de rugas, sabem?), emocionada olhou para mim e disse-me:
"Ele dizia que era comigo que iria se casar e eu era apaixonada por ele.... Mas ele adoeceu. Sabe aquela doença ruim que toda a gente tinha medo e ninguém falava?
Foi disso mesmo, a vida tirou-me assim. Fiquei sem ele e sem mim; perdi-me ali e estive sozinha durante três longos anos, porque achava que não tinha mais o direito de pertencer a outro alguém como lhe tinha pertencido.
Os anos passaram e aos 25 anos casei-me, tive os meus filhos e fiz a minha vida como pude."
Perguntei se ela achava que tinha sido feliz durante a vida que já tinha passado e com os olhos trémulos, com um olhar triste olhou-me e baixou o olhar. Não disse nada.
Eu estava sentada com ela, não lhe conseguia voltar a olhar nos olhos, mas perguntei se ela achava que o ia encontrar um dia.
Com um pequeno sorriso e uma certa esperança no rosto, abanou a cabeça e fez um pequeno gesto que sim. No fundo ela sabia que apesar de o ter perdido para a morte, ele continuava a ser a vida dela e iria ser para sempre.

Quando minha amiga Melissa me mandou este emocionante relato, lembrei-me logo da frase de Comte D. Rabutin: “A ausência é para o amor o que o vento é para o fogo; ele extingue o pequeno, mas inflama o grande. ”
Exatamente isto que esta história linda nos conta, um amor que ficou no coração, na memória e será levada para sempre inflamado através dos ventos das recordações.
Também encanto-me o fato desta senhora ter dividido tão lindo sentimento com alguém que acabara de conhecer, o que me faz acreditar a cada dia mais que as pessoas boas transmitem confiança só de estar perto.
Em um mundo hoje cada vez mais superficial onde os sentimentos margeiam em linhas tênues que os separam de interesses, quando ouvimos ou lemos relatos de um sentimos tão profundo, corremos o risco de duvidar.
Mas o amor, embora muitas vezes, mal compreendido tem esta força, o poder de marcar uma vida e estas marcas ficarão para sempre. Como diria o poeta; como uma tatuagem na alma a nos recordar.

O vento que inflama este sentimento não o compreendemos, porque o amor não se explica em cartilhas ou em best-sellers, mas quando ele chega, nos transforma em crianças trocando os primeiros passos.
O amor se vive e se deixa viver, aproveitamos quando o encaramos com humildade e sem qualquer tipo de interesse.

Talvez alguns estejas pensando que esta senhora não aproveitou o amor, pois seu amado a deixou prematuramente através da morte, mas para estas pessoas posso dizer que, além de ter vivido este amor, ela pode aprender "do amor" e isto não tem preço.
Este ensinamento a levará por toda a sua vida e alimentará estas chamas que o tempo jamais apagará e sempre a fará continuar, apesar de tudo.

Quero terminar este texto com um trecho muito apropriado para esta situação e que usei em outras divagações.


“Temos que continuar mesmo depois que o arroz queima, a água seca, o vinho entorna. Temos que continuar mesmo depois de descobrir que os defeitos pioram com a idade e as qualidades viram hábito no dia a dia. Temos que continuar depois do luto, da partida, da despedida, (para um novo reencontro), das horas frias e do caminho incerto. Temos que continuar e aprender a cantar: "..apesar de você, amanhã há de ser outro dia...". Para os planos que não deram certo, para as falhas recorrentes e para nós mesmos que nem sempre somos aqueles que gostaríamos de ser. Apesar de nós mesmos, de nossas fissuras e desencantos, temos que continuar...


 Fato vivido e narrado por: Melissa Ferreira                                      Comentários de:




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O texto final é uma adaptação da publicação de Fabíola Simões. Para acessar o original, clique AQUI
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