Anjo-Mais-Velho - OTM |
Hoje uma senhora tentava abrir uma
porta pesada que aqui tenho e fui ajuda-la; de óculos escuros, com um ar
sisudo e meio desconfiado, entrou.
Trazia com ela um carrinho daqueles
antigos de compras e quando estava a atendê-la começou a falar comigo.
Depois de algum tempo de conversa
disse-me:
"sabe menina, eu tenho 71
anos e já passei por muito. Conheci o homem da minha vida quando tinha 19 anos.
Naquela altura, estava com esse mesmo ar de apaixonada que a menina está,
sabe?" Me mantive calada.
Ela continuou. "Os pais dele não queriam que eu o namorasse, porque eu era de uma
família pobre e eles tinham um negócio, uma mercearia.
Tinham dinheiro e achavam que eu não era o suficiente para
o filho deles, mas ele gostava de mim e não queria saber.
Vinha buscar-me a casa, íamos passear e conversávamos muito…”.
Neste instante a interrompi, perguntei se ele
também era apaixonado por ela e com todos aqueles traços de vida que tinha
marcados no rosto (a que habitualmente chamam de rugas, sabem?), emocionada
olhou para mim e disse-me:
"Ele dizia que era comigo que iria se casar e eu era
apaixonada por ele.... Mas ele adoeceu. Sabe aquela doença ruim que toda a
gente tinha medo e ninguém falava?
Foi disso mesmo, a vida tirou-me assim. Fiquei sem ele e
sem mim; perdi-me ali e estive sozinha durante três longos anos, porque achava
que não tinha mais o direito de pertencer a outro alguém como lhe tinha
pertencido.
Os anos passaram e aos 25 anos casei-me, tive os meus
filhos e fiz a minha vida como pude."
Perguntei se ela achava que tinha
sido feliz durante a vida que já tinha passado e com os olhos trémulos, com um
olhar triste olhou-me e baixou o olhar. Não disse nada.
Eu estava sentada com ela, não lhe
conseguia voltar a olhar nos olhos, mas perguntei se ela achava que o ia
encontrar um dia.
Com um pequeno sorriso e uma certa
esperança no rosto, abanou a cabeça e fez um pequeno gesto que sim. No fundo
ela sabia que apesar de o ter perdido para a morte, ele continuava a ser a vida
dela e iria ser para sempre.
Quando minha amiga Melissa me mandou
este emocionante relato, lembrei-me logo da frase de Comte D. Rabutin: “A ausência é para o amor o que o vento é
para o fogo; ele extingue o pequeno, mas inflama o grande. ”
Exatamente isto que esta história
linda nos conta, um amor que ficou no coração, na memória e será levada para
sempre inflamado através dos ventos das recordações.
Também encanto-me o fato desta senhora ter dividido tão lindo sentimento com alguém que acabara de conhecer, o que me faz acreditar a cada dia mais que as pessoas boas transmitem confiança só de estar perto.
Também encanto-me o fato desta senhora ter dividido tão lindo sentimento com alguém que acabara de conhecer, o que me faz acreditar a cada dia mais que as pessoas boas transmitem confiança só de estar perto.
Em um mundo hoje cada vez mais
superficial onde os sentimentos margeiam em linhas tênues que os separam de interesses,
quando ouvimos ou lemos relatos de um sentimos tão profundo, corremos o risco
de duvidar.
Mas o amor, embora muitas vezes,
mal compreendido tem esta força, o poder de marcar uma vida e estas marcas
ficarão para sempre. Como diria o poeta; como uma tatuagem na alma a nos
recordar.
O vento que inflama este sentimento
não o compreendemos, porque o amor não se explica em cartilhas ou em
best-sellers, mas quando ele chega, nos transforma em crianças trocando os
primeiros passos.
O amor se vive e se deixa viver,
aproveitamos quando o encaramos com humildade e sem qualquer tipo de interesse.
Talvez alguns estejas pensando que
esta senhora não aproveitou o amor, pois seu amado a deixou prematuramente
através da morte, mas para estas pessoas posso dizer que, além de ter vivido
este amor, ela pode aprender "do amor" e isto não tem preço.
Este ensinamento a levará por toda
a sua vida e alimentará estas chamas que o tempo jamais apagará e sempre a fará continuar, apesar de tudo.
Quero terminar este texto com um trecho muito apropriado para esta situação e que usei em outras divagações.
“Temos que continuar mesmo depois que o
arroz queima, a água seca, o vinho entorna. Temos que continuar mesmo depois de
descobrir que os defeitos pioram com a idade e as qualidades viram hábito no
dia a dia. Temos que continuar depois do luto, da partida, da despedida, (para
um novo reencontro), das horas frias e do caminho incerto. Temos que continuar
e aprender a cantar: "..apesar de você, amanhã há de ser outro
dia...". Para os planos que não deram certo, para as falhas recorrentes e
para nós mesmos que nem sempre somos aqueles que gostaríamos de ser. Apesar de
nós mesmos, de nossas fissuras e desencantos, temos que continuar...”
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O texto final é uma adaptação da publicação de Fabíola Simões. Para acessar o original, clique AQUI